Timbre

Análise

 

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE RORAIMA

CENTRO DE INTELIGÊNCIA DA JUSTIÇA ESTADUAL DE RORAIMA - CIJERR

 

NOTA TÉCNICA nº 01/2022 - CIJERR  

 

ASSUNTO:  Judicialização indevida de ações de registro tardio.

 

EMENTA

REGISTRO DE NASCIMENTO TARDIO CIVIL – COMPETÊNCIA DA SERVENTIA EXTRAJUDICIAL –  INCLUINDO REGISTRO INDÍGENA -  DESNECESSIDADE DE ATUAÇÃO DO PODER JUDICIÁRIO, EXCETO NOS CASOS EM QUE FOR SUSCITADA DÚVIDA PELO OFICIAL REGISTRADOR – ART. 46 DA LEI DE REGISTROS PÚBLICOS E ART. 4º DA RESOLUÇÃO CNJ N.º 03/2012.

1. O art. 46 da Lei de Registros Públicos, alterado pela Lei n.º 11.790/2008, passou a permitir o registro da declaração de nascimento, fora do prazo legal, diretamente nas serventias extrajudiciais;

2. No mesmo sentido, a Resolução Conjunta CNJ n.º 03/2012 dispõe sobre o assento de nascimento de indígena no Registro Civil das Pessoas Naturais;

3. Verifica-se atualmente: I. a desnecessidade de ação judicial para a realização do registro de nascimento tardio, limitada pela legislação apenas aos casos excepcionais; II. a tendência de desjudicialização de procedimentos de jurisdição voluntária dotados de suficiente certeza e segurança jurídica, que podem ser realizados em ofícios extrajudiciais sem necessidade de manifestação judicial;

4. Assim, propõe-se seja encaminhada esta nota à Defensoria Pública do Estado de Roraima à Defensoria Pública do Estado de Roraima e demais órgãos pertinentes para orientação do jurisdicionado quanto ao procedimento extrajudicial a ser adotado.

 

 

I - Introdução

O Centro de Inteligência do Tribunal de Justiça do Estado de Roraima, criado pela Portaria n.º 548/2020 de 16 de dezembro de 2020, vem apresentar nota técnica com sugestão de tratamento das demandas que têm por objeto o assentamento tardio de registro civil de nascimento.

Estima-se que foram distribuídas no âmbito do TJRR, entre 2017 e 2022, 400 ações relacionadas ao objeto desta Nota Técnica, quase em sua totalidade propostas pela Defensoria Pública do Estado de Roraima, motivo pelo qual o assunto merece especial atenção.

Diante da nova redação conferida à Lei de Registros Públicos e com base na regulamentação implementada pelo Conselho Nacional de Justiça, que dispõem acerca da realização do procedimento sem a necessidade de  intervenção judicial, propõem-se analisar as diretrizes acerca da matéria e os seus desdobramentos.

Desse modo, tendo em vista a necessidade de delinear um procedimento coerente com o disposto na legislação civil, sugere-se a análise do tema pelo Centro de Inteligência da Justiça Estadual para adoção de medidas que contribuam para racionalidade e melhoria do fluxo de trabalho neste Tribunal.

 

II - Análise

O art. 46 da Lei de Registros Públicos (n.º 6.015/1973), com a redação dada pela Lei 11.790/2008, disciplina que:

Art. 46.  As declarações de nascimento feitas após o decurso do prazo legal serão registradas no lugar de residência do interessado.   

§ 1º  O requerimento de registro será assinado por 2 (duas) testemunhas, sob as penas da lei. (Redação dada pela Lei nº 11.790, de 2008).

§ 2º (Revogado pela Lei nº 10.215, de 2001)

§ 3º  O oficial do Registro Civil, se suspeitar da falsidade da declaração, poderá exigir prova suficiente. (Redação dada pela Lei nº 11.790, de 2008).

§ 4º  Persistindo a suspeita, o oficial encaminhará os autos ao juízo competente. (Redação dada pela Lei nº 11.790, de 2008).

Nota-se que o registro da declaração de nascimento fora do prazo legal deve ser solicitado diretamente nas serventias extrajudiciais, conforme redação disposta na legislação encimada.

Assim, atualmente, para o registro tardio de nascimento, independentemente da idade do registrando, basta instaurar procedimento administrativo perante o Oficial Registrador (Cartório Extrajudicial), dispensando-se a judicialização da demanda.

Ademais, apenas nos casos em que o Oficial suspeitar da falsidade da declaração, após apresentação de provas complementares pelos interessados, é que os autos do procedimento serão remetidos ao juízo competente em situação de dúvida.

Logo, a via judicial é a última instância a se recorrer, devendo o magistrado intervir apenas se houver indícios de falsidade na declaração. Com efeito, a alteração feita pelo legislador tornou o procedimento de registro de nascimento mais célere, menos formal e menos custoso, de modo a facilitar o assentamento para quem não o fez no prazo estabelecido pela Lei de Registros Públicos (art. 50), refletindo no desafogamento de processos perante o Judiciário.

Cumpre ressaltar que, antes da alteração legislativa, as declarações de nascimento feitas após o decurso do prazo legal eram registradas mediante despacho do juiz. Vejamos na antiga redação conferida ao dispositivo:

Art. 46. As declarações de nascimento feitas após o decurso do prazo legal somente serão registradas mediante despacho do juiz competente do lugar da residência do interessado. (Redação anterior dada pela Lei nº 10.215, de 2001)

A par das modificações introduzidas com o advento da Lei n.º 11.790/2008, o Provimento CNJ n.º 28/2013 igualmente dispõe sobre o procedimento para o registro tardio de nascimento diretamente nas serventias extrajudiciais, exigindo-se a assinatura de 2 (duas) testemunhas no requerimento, nos seguintes termos:

Art. 2º. O requerimento de registro será direcionado ao Oficial de Registro Civil das Pessoas Naturais do lugar de residência do interessado e será assinado por 2 (duas) testemunhas, sob as penas da lei.

Parágrafo único. Não tendo o interessado moradia ou residência fixa, será considerado competente o Oficial de Registro Civil das Pessoas Naturais do local onde se encontrar.

De igual modo, a Resolução CNJ n.º 03/2012, disciplina o assento de nascimento de indígena no Registro Civil das Pessoas Naturais, trazendo em seu bojo as formas que o registro poderá ser requerido:

Art. 4º. O registro tardio do indígena poderá ser realizado:

I. mediante a apresentação do RANI;

II. mediante apresentação dos dados, em requerimento, por representante da Fundação Nacional do Índio – FUNAI a ser identificado no assento; ou

III. na forma do art. 46 da Lei n.º 6.015/73.

§ 1º Em caso de dúvida fundada acerca da autenticidade das declarações ou de suspeita de duplicidade de registro, o registrador poderá exigir a presença de representante da FUNAI e apresentação de certidão negativa de registro de nascimento das serventias de registro que tenham atribuição para os territórios em que nasceu o interessado, onde é situada sua aldeia de origem e onde esteja atendido pelo serviço de saúde.

§ 2º  Persistindo a dúvida ou a suspeita, o registrador submeterá o caso ao Juízo competente para fiscalização dos atos notariais e registrais, assim definido na órbita estadual e do Distrito Federal, comunicando-lhe os motivos.

§ 3º. O Oficial deverá comunicar o registro tardio de nascimento do indígena imediatamente à FUNAI, a qual informará o juízo competente quando constatada duplicidade, para que sejam tomadas as providências cabíveis.

Depreende-se que o registro tardio do indígena poderá ser feito de 03 (três) formas: a) com a apresentação do Registro Administrativo de Nascimento do Indígena (RANI); b) por requerimento e apresentação de dados feitos por representante da FUNAI e; c) no lugar de residência do indígena, conforme art. 46 da Lei n.º 6.015/73.

Seguindo os ditames da legislação civil, o registro tardio de indígena, nesses casos, igualmente prescinde de intervenção judicial em qualquer de suas formas. Há expressa menção à figura do “registrador” que realizará o procedimento e só o encaminhará ao juízo competente se persistir dúvida ou suspeita acerca da autenticidade das declarações ou da duplicidade no registro.

Conclui-se, portanto, que para o registro tardio indígena aplica-se a mesma regra aplicada aos não indígenas, com algumas peculiaridades quanto à documentação a ser apresentada, mas do mesmo modo a ser solicitado junto às serventias extrajudiciais.

Não obstante, ainda que haja inequívoca previsão nos regramentos elencados, são propostas dezenas de demandas ao ano pela Defensoria Pública do Estado de Roraima de registro tardio, de indígena ou não, sem suspeita da falsidade da declaração.

Em consulta a processos em trâmite nesta Corte, foi identificado que tais demandas deságuam diretamente no Judiciário, não havendo sequer a instauração de pedido junto às serventias cartorárias.

Além disso, é imperioso ressaltar que por trás da previsão legal que passou a admitir o registro de nascimento após o prazo legal diretamente na serventia extrajudicial, há o intuito de tornar este procedimento mais racional, menos burocrático, gratuito, acessível, simplificado e, sobretudo,  desjudicializado.

A intenção do legislador pátrio, bem como do CNJ, é tirar a intervenção do judiciário de alguns procedimentos de jurisdição voluntária dotados de suficiente certeza e segurança jurídica, para serem realizados em ofício extrajudiciais sem necessidade da movimentação do judiciário.

A desjudicialização da prática de atos da vida civil em prestígio a uma solução extrajudicial é uma tendência. Além do registro tardio de nascimento, a lei passou a admitir que atos que anteriormente dependiam da apreciação do Judiciário sejam realizados pelas serventias extrajudiciais, tais como a separação e o divórcio consensuais, bem como o arrolamento de bens.

Registre-se que, somente caso ainda exista dúvida quanto aos documentos apresentados, caberá ao Oficial remeter a questão à apreciação judicial. Destarte, a recorribilidade ao Poder Judiciário tornou-se a ultima ratio, possível apenas em casos de indícios de falsidade.

Sob esse enfoque, tal medida também contribui para política institucional do Judiciário, pois visa a melhoria do fluxo de processos nos tribunais e o direcionamento da força de trabalho no julgamento de lides complexas e de grande impacto social, dado que o tempo despendido em ações dessa natureza, que se apresentam em grande volume, acarreta a diminuição do tempo para análise de demandas de fato legítimas.

Portanto, buscando fomentar os objetivos traçados pela legislação, bem como visando coibir o excesso de demandas que chegam indevidamente ao Judiciário, comprometendo a própria qualidade da prestação jurisdicional, considerando que estas ações têm sido propostas em sua maioria pela Defensoria Pública do Estado de Roraima, recomenda-se um diálogo institucional entre esta Corte e o referido órgão para reforçar o procedimento instituído a partir da Lei n.º 11.790/2008, que passou a delegar a atribuição do registro tardio às serventias extrajudiciais e, ainda, para ser dada a devida orientação ao jurisdicionado quanto ao trâmite a ser adotado.

 

III - Conclusão

Desse modo, considerando o acima exposto, conclui-se que:

1.    O art. 46 da Lei de Registros Públicos e o art. 4º da Resolução CNJ n.º 03/2012 passaram a permitir o registro da declaração de nascimento, fora do prazo legal, diretamente nas serventias extrajudiciais.

2.    Há propositura de dezenas de demandas ao ano pela Defensoria Pública do Estado de Roraima de registro tardio no TJRR, de indígena ou não, sem suspeita da falsidade da declaração.

3.    O fenômeno da desjudicialização da prática de atos da vida civil em prestígio a uma solução extrajudicial é uma tendência do legislador.  Destarte, nos casos de registro de nascimento tardio, a recorribilidade ao Poder Judiciário tornou-se a ultima ratio.

4.    A resolução da questão passa pelo diálogo institucional entre esta Corte e a Defensoria Pública do Estado de Roraima, para que o jurisdicionado seja orientado a dirigir-se à serventia extrajudicial para realização do procedimento com a documentação necessária.

 

Assim, propõe-se:

a)    seja encaminhada esta nota à Defensoria Pública do Estado de Roraima e demais órgãos pertinentes para orientação do jurisdicionado quanto ao procedimento extrajudicial a ser adotado;

b)    encaminhamento da presente Nota à Presidência, Vice-Presidência e Corregedoria, para conhecimento do seu teor.

 

Boa Vista-RR, 19 de agosto de 2022.

 

 

Centro de Inteligência da Justiça Estadual de Roraima - CIJERR

 

 

Des. Jésus Nascimento

Presidente da Comissão Gestora de Precedentes e Ações Coletivas/TJRR

Presidente do CIJERR

 

 

Des. Ricardo Oliveira

Desembargador Integrante da Comissão Gestora de Precedentes

Membro

 

 

Dra. Bruna Zagallo  

Juíza representante das unidades judiciárias cíveis da comarca de Boa Vista

Membro

 

 

Dr. Jaime de Ávila 

Juiz representante das unidades judiciárias criminais da comarca de Boa Vista

Membro


 

Dra. Patricia dos Reis 

Juíza representante da comarca de Mucajaí

Membro

 

 

Dra. Noêmia de Sousa  

Juíza representante da Comarca de Caracaraí

Membro


 

Dr. Raimundo Filho  

Juiz representante da Comarca de  Rorainópolis - 2ª Titularidade

Membro

 

 

Liliane Cardoso

Juiza da 1ª Titularidade da Comarca de Rorainópolis

Convidada

 


 

Certifico que a Nota Técnica n.º 1/2022 foi analisada e aprovada na Reunião do Centro de Inteligência da Justiça Estadual de Roraima - CIJERR, realizada aos dezenove dias do mês de agosto do ano de dois mil e vinte e dois, conforme consta na Ata acostada no evento n.º 1404769 do Sei n.º 0015181-18.2022.8.23.8000.


 

Fernanda Cantanhede

Membro/Coordenadora NUGEPNAC

 


logotipo

Documento assinado eletronicamente por FERNANDA LARISSA SOARES BRAGA CANTANHEDE, Coordenador, em 23/08/2022, às 09:35, conforme art. 1º, III, "b", da Lei 11.419/2006.Portaria da Presidência - TJRR nº1650/2016.


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