Análise
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE RORAIMA
CENTRO DE INTELIGÊNCIA DA JUSTIÇA ESTADUAL DE RORAIMA - CIJERR
NOTA TÉCNICA n.º 03/2022 - CIJERR
ASSUNTO: Procedimento a ser adotado nos feitos que estejam na fase de juízo de admissibilidade do recurso extraordinário e/ou recurso especial relacionados à matéria discutida em IRDR admitido e julgado no TJRR.
EMENTA
RECURSOS ESPECIAL E EXTRAORDINÁRIO – INCIDENTE DE RESOLUÇÃO DE DEMANDAS REPETITIVAS ADMITIDO – SUSPENSÃO DOS RECURSOS EXCEPCIONAIS ATÉ O JULGAMENTO DO INCIDENTE – INTERPRETAÇÃO DO ART. 982, I, do CPC - PUBLICADO O ACÓRDÃO DE JULGAMENTO DO IRDR, ADOÇÃO POR ANALOGIA DAS REGRAS INSERTAS NOS ARTIGOS 1.036, CAPUT E § 1º E 1.040, II, TODOS DO CPC.
1. O IRDR objetiva conferir solução uniforme a causas repetitivas e, por se tratar de inovação do atual CPC, discute-se acerca da admissibilidade dos recursos excepcionais interpostos nos feitos julgados relacionados à matéria discutida em IRDR admitido e julgado.
2. A legislação é omissa quanto ao procedimento a ser adotado na admissibilidade dos recursos especiais e extraordinários em tais casos, havendo interpretações no sentido de que se deve: I. Suspender os recursos excepcionais interpostos no bojo de processos vinculados à matéria discutida em IRDR admitido, aplicando-se o art. 982, I, do CPC e, quando julgado, as regras da sistemática dos recursos extraordinários e especiais repetitivos previstas nos arts. 1.036, caput e 1.040, II, do CPC; II. Admitir os recursos excepcionais ainda que haja IRDR admitido, com trâmite consoante as regras gerais do art. 1.030 do CPC.
3. Com base no microssistema de demandas repetitivas criado pelo Código de Processo Civil de 2015, a suspensão dos feitos julgados que estejam na fase de juízo de admissibilidade do recurso extraordinário e/ou recurso especial em decorrência da admissão do IRDR é a medida mais adequada à resolução da questão, visto que promove a racionalidade de julgamento nos tribunais locais e nas cortes superiores e revela-se em consonância com o sistema de precedentes judiciais obrigatórios. Após a publicação do acórdão de julgamento do incidente, cabe o juízo de retratação pelo órgão julgador do acórdão recorrido, nos termos do art. 1.040, II, do CPC, se a decisão proferida no processo suspenso contrariar a tese do IRDR. Caso o acórdão coincidir com a orientação estabelecida no IRDR, e desde que preenchidos os demais requisitos legais, deverão ser admitidos dois ou mais recursos representativos da controvérsia para remessa ao Supremo Tribunal Federal e Superior Tribunal de Justiça, nos termos do caput e § 1º do art. 1.036 do CPC.
4. A adoção desse procedimento visa privilegiar a uniformização das decisões, a segurança jurídica, a racionalidade no julgamento das demandas e o fortalecimento da utilização dos precedentes qualificados, consoante preceituam os arts. 926 e 927 do CPC.
I - Introdução
O Centro de Inteligência do Tribunal de Justiça do Estado de Roraima, criado pela Portaria n. 548/2020 de 16 de dezembro de 2020, vem apresentar nota técnica com sugestão de procedimento a ser adotado na admissibilidade dos recursos excepcionais, isto é, dos recursos especial e extraordinário interpostos em feitos cuja matéria tenha relação com IRDR admitido ou julgado no âmbito desta Corte.
O Código de Processo Civil é omisso quanto ao tema, levando os tribunais pátrios a assumirem posicionamentos diversos no tratamento dos recursos excepcionais na análise da admissibilidade.
Desse modo, em razão da relevância do assunto, sugere-se a definição de procedimento pelo Centro de Inteligência da Justiça Estadual - CIJERR, com supedâneo no art. 5.º da Portaria n. 548/2020 de 16 de dezembro de 2020, com o fito de subsidiar o setor competente desta Corte na admissibilidade dos recursos dirigidos às cortes superiores.
II - Análise
Inicialmente, cumpre registrar que o incidente de resolução de demandas repetitivas (IRDR) é um instituto consideravelmente novo, inserto em nosso ordenamento jurídico com o advento do CPC de 2015 e que, à medida que vem sendo utilizado, tem seus contornos e desdobramentos revelados no curso das experiências vivenciadas pelos tribunais.
O processamento dos feitos que estejam pendentes de análise do juízo de admissibilidade do recurso extraordinário e/ou recurso especial interposto na origem e tenham relação direta com a matéria discutida no IRDR admitido ou julgado no tribunal é questão controvertida na seara jurídica.
O ponto a se definir, então, é a possibilidade (ou não) da suspensão dos recursos excepcionais antes da análise da admissibilidade, dado que a remessa de tais recursos quando pendente IRDR sobre a mesma matéria pode repercutir no julgamento do próprio incidente, bem como qual o procedimento a ser adotado quando julgado o incidente pelo Tribunal.
A admissibilidade dos recursos extraordinários e especiais encontra-se disciplinada no Código de Processo Civil, em seu art. 1.030, nos seguintes termos:
Art. 1.030. Recebida a petição do recurso pela secretaria do tribunal, o recorrido será intimado para apresentar contrarrazões no prazo de 15 (quinze) dias, findo o qual os autos serão conclusos ao presidente ou ao vice-presidente do tribunal recorrido, que deverá:
I – negar seguimento:
a) a recurso extraordinário que discuta questão constitucional à qual o Supremo Tribunal Federal não tenha reconhecido a existência de repercussão geral ou a recurso extraordinário interposto contra acórdão que esteja em conformidade com entendimento do Supremo Tribunal Federal exarado no regime de repercussão geral;
b) a recurso extraordinário ou a recurso especial interposto contra acórdão que esteja em conformidade com entendimento do Supremo Tribunal Federal ou do Superior Tribunal de Justiça, respectivamente, exarado no regime de julgamento de recursos repetitivos;
II – encaminhar o processo ao órgão julgador para realização do juízo de retratação, se o acórdão recorrido divergir do entendimento do Supremo Tribunal Federal ou do Superior Tribunal de Justiça exarado, conforme o caso, nos regimes de repercussão geral ou de recursos repetitivos;
III – sobrestar o recurso que versar sobre controvérsia de caráter repetitivo ainda não decidida pelo Supremo Tribunal Federal ou pelo Superior Tribunal de Justiça, conforme se trate de matéria constitucional ou infraconstitucional;
IV – selecionar o recurso como representativo de controvérsia constitucional ou infraconstitucional, nos termos do § 6º do art. 1.036;
V – realizar o juízo de admissibilidade e, se positivo, remeter o feito ao Supremo Tribunal Federal ou ao Superior Tribunal de Justiça, desde que:
a) o recurso ainda não tenha sido submetido ao regime de repercussão geral ou de julgamento de recursos repetitivos;
b) o recurso tenha sido selecionado como representativo da controvérsia; ou
c) o tribunal recorrido tenha refutado o juízo de retratação.
§ 1º Da decisão de inadmissibilidade proferida com fundamento no inciso V caberá agravo ao tribunal superior, nos termos do art. 1.042.
§ 2º Da decisão proferida com fundamento nos incisos I e III caberá agravo interno, nos termos do art. 1.021.
O art. 24 do Regimento Interno do TJRR assim dispõe:
Art. 24. Compete ao Vice-Presidente, por delegação do Presidente:
(...)
III – decidir sobre a admissibilidade dos recursos extraordinários e especiais;
(...)
Da leitura dos dispositivos elencados, nota-se que há previsão expressa unicamente de sobrestamento do recurso que versar sobre controvérsia de caráter repetitivo ainda não decidida pelo Supremo Tribunal Federal ou pelo Superior Tribunal de Justiça, sem qualquer disposição a respeito de outros incidentes (art. 1.030, III, do CPC).
No tocante ao capítulo do IRDR, há orientação de que, em caso de admissão do incidente, o relator do processo suspenderá os processos pendentes, individuais ou coletivos que tramitam no Estado ou na região. Vejamos:
Art. 982. Admitido o incidente, o relator:
I - suspenderá os processos pendentes, individuais ou coletivos, que tramitam no Estado ou na região, conforme o caso;
(...)
Nesse ponto, há grande discussão se os recursos excepcionais teriam sido contemplados na providência do art. 982, I, do CPC, que faz referência à suspensão de “todos os processos individuais ou coletivos que versem sobre idêntica questão de direito e que tramitem na área de jurisdição do respectivo tribunal, inclusive àqueles que tramitem nos juizados especiais do respectivo Estado ou região”.
Lado outro, ainda sobre o IRDR, o art. 985, I, do CPC, disciplina:
Art. 985. Julgado o incidente, a tese jurídica será aplicada:
I - a todos os processos individuais ou coletivos que versem sobre idêntica questão de direito e que tramitem na área de jurisdição do respectivo tribunal, inclusive àqueles que tramitem nos juizados especiais do respectivo Estado ou região;
(...)
O dispositivo elencado aduz que julgado o IRDR, a tese fixada será aplicada a todos os processos individuais ou coletivos que versem sobre idêntica questão de direito que tramitem na área de jurisdição do respectivo tribunal, no entanto, os recursos excepcionais, em que pese serem interpostos na origem, são dirigidos às Cortes superiores, assim, debate-se acerca da aplicabilidade da tese fixada em sede de admissibilidade recursal.
Diante da ausência de clareza dos dispositivos, verifica-se que há lacuna normativa acerca da admissibilidade dos recursos extraordinário e especial nos casos em que houver IRDR admitido ou julgado no Tribunal com a mesma matéria em discussão.
A temática em pauta já foi objeto de debate pelo Rede NUGEP, grupo formado pelos NUGEPNACs de todos os tribunais brasileiros, em reunião do projeto “Sextas Inteligências” que tratou sobre os impactos do IRDR no juízo de admissibilidade dos recursos excepcionais.
Em manifestação, alguns integrantes informaram a dinâmica adotada em seus tribunais:
TJRJ: não há sobrestamento dos recursos excepcionais em razão da admissão de IRDR e IAC.
TRT1: não há sobrestamento de processos na fase de admissibilidade de recurso para Tribunal Superior (TST), por haver entendimento de que a tese fixada no IRDR se aplica apenas aos processos em tramitação no Tribunal, ou seja, aos feitos ainda não julgados. No caso de processos já julgados, em fase de admissibilidade recursal, não caberia o juízo de retratação previsto no art. 1030, II, do CPC, que se aplica apenas para teses fixadas na instância extraordinária.
TJPA: há sobrestamento dos recursos excepcionais em razão da tramitação do IRDR. Após julgado o incidente, é realizado o juízo de retratação pelo órgão de origem. Caso a tese fixada esteja conforme o decidido em primeira instância, serão escolhidos 2 ou 3 recursos representativos da controvérsia para encaminhamento à Corte Superior.
TRT18: o IRDR não suspende processo em fase de admissibilidade de recurso para o TST.
Conclui-se, portanto, que existem dois entendimentos a serem seguidos, em síntese:
1.º entendimento: suspensão dos recursos excepcionais interpostos no bojo de processos vinculados à matéria discutida em IRDR admitido, aplicando-se a regra prevista nos arts. 982, I, bem como, após julgado o incidente, adota-se, por analogia, as disposições dos arts. 1.036, caput e § 1.º; e 1.040, II, ambos do CPC.
2.º entendimento: admissibilidade dos recursos excepcionais, ainda que haja IRDR admitido ou julgado, com trâmite segundo as regras gerais do art. 1.030 do CPC.
A primeira solução proposta baseia-se na existência de um microssistema de julgamento de questões repetitivas composto pelos recursos especiais e extraordinários repetitivos e o incidente de resolução de demandas repetitivas (IRDR), visando mais eficiência no gerenciamento dos recursos excepcionais ainda na origem.
O Superior Tribunal de Justiça já proferiu entendimento de que, ainda que os recursos especiais e extraordinários repetitivos e o IRDR tenham características próprias e diferenciadas, tais institutos possuem muitas semelhanças, motivo pelo qual alguns de seus procedimentos são intercambiáveis.
No REsp 1.846.109 SP, a Corte Especial decidiu aplicar o procedimento previsto para recursos especiais e extraordinários repetitivos ao IRDR em que a parte alegou distinção. Vejamos:
CIVIL, PROCESSUAL CIVIL E CONSUMIDOR. SUSPENSÃO DO PROCESSO EM 1º GRAU EM RAZÃO DE INSTAURAÇÃO DE IRDR. DISPOSITIVOS LEGAIS NÃO ENFRENTADOS E IMPERTINENTES. SÚMULA 211/STJ. SÚMULA 284/STF. PROCEDIMENTO DE DISTINÇÃO (DISTINGUISHING) DO ART. 1.037, §§9º A 13, DO NOVO. APLICABILIDADE AO IRDR. POSSIBILIDADE. RECURSOS REPETITIVOS E IRDR. MICROSSISTEMA DE JULGAMENTO DE QUESTÕES REPETITIVAS. INTEGRAÇÃO, QUANDO POSSÍVEL, ENTRE AS TÉCNICAS DE FORMAÇÃO DE PRECEDENTES VINCULANTES. INEXISTÊNCIA DE VEDAÇÃO EXPRESSA NO CPC E INEXISTÊNCIA DE OFENSA A ELEMENTO ESSENCIAL DA TÉCNICA. PROCEDIMENTO DE DISTINÇÃO. AUSÊNCIA DE DIFERENÇA ONTOLÓGICA OU JUSTIFICATIVA TEÓRICA QUE JUSTIFIQUE TRATAMENTO ASSIMÉTRICO ENTRE RECURSOS REPETITIVOS E IRDR. REQUERIMENTOS FORMULADOS APÓS ORDEM DE SUSPENSÃO. OBJETIVO IDÊNTICO, QUE É DEMONSTRAR A DISTINÇÃO ENTRE A QUESTÃO DEBATIDA NO PROCESSO E AQUELA SUBMETIDA AO JULGAMENTO PADRONIZADO. EQUALIZAÇÃO DA TENSÃO ENTRE OS PRINCÍPIOS DA ISONOMIA, SEGURANÇA JURÍDICA, CELERIDADE, ECONOMIA PROCESSUAL E RAZOÁVEL DURAÇÃO DO PROCESSO. DECISÃO INTERLOCUTÓRIA QUE RESOLVE O PEDIDO DE DISTINÇÃO EM IRDR. AGRAVO DE INSTRUMENTO CABÍVEL (ART. 1.037, §13, I, DO NOVO CPC), SOB PENA DE CRIAÇÃO DE DECISÃO IRRECORRÍVEL SEM AUTORIZAÇÃO LEGAL OU DE TORNAR ABSOLUTAMENTE INÚTIL O DEBATE ACERCA DA CORREÇÃO DA DECISÃO SUSPENSIVA APENAS EM APELAÇÃO OU EM CONTRARRAZÕES. IMPETRAÇÃO DE MANDADO DE SEGURANÇA CONTRA DECISÃO INTERLOCUTÓRIA. IMPOSSIBILIDADE. TEMA REPETITIVO 988. PROCEDIMENTO ESPECÍFICO E DETALHADO PARA REQUERIMENTO DE DISTINÇÃO. CINCO ETAPAS SUCESSIVAS. INTIMAÇÃO DA DECISÃO DE SUSPENSÃO. REQUERIMENTO DA PARTE, DEMONSTRANDO A DISTINÇÃO, ENDEREÇADA AO JUIZ EM 1º GRAU. CONTRADITÓRIO. PROLAÇÃO DE DECISÃO INTERLOCUTÓRIA RESOLVENDO O REQUERIMENTO. RECORRIBILIDADE. PROCEDIMENTO NÃO OBSERVADO PELA PARTE QUE INTERPÔS AGRAVO DA DECISÃO DE SUSPENSÃO. AGRAVO DE INSTRUMENTO INADMISSÍVEL. PROCEDIMENTO DE OBSERVÂNCIA OBRIGATÓRIA. DENSIFICAÇÃO DO CONTRADITÓRIO EM 1º GRAU. IMPEDIMENTO A INTERPOSIÇÃO DE RECURSOS PREMATUROS. NECESSIDADE DE PROLAÇÃO DA DECISÃO INTERLOCUTÓRIA A SER IMPUGNADA, QUE RESOLVE A ALEGAÇÃO DE DISTINÇÃO. VIOLAÇÃO AO DUPLO GRAU DE JURISDIÇÃO E SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA. IMPOSSIBILIDADE.
(...)
5- Embora situados em espaços topologicamente distintos e de ter havido previsão específica do procedimento de distinção em IRDR no PLC 8.046/2010, posteriormente retirada no Senado Federal, os recursos especiais e extraordinários repetitivos e o IRDR compõem, na forma do art. 928, I e II, do novo CPC, um microssistema de julgamento de questões repetitivas, devendo o intérprete promover, sempre que possível, a integração entre os dois mecanismos que pertencem ao mesmo sistema de formação de precedentes vinculantes.
6- Os vetores interpretativos que permitirão colmatar as lacunas existentes em cada um desses mecanismos e promover a integração dessas técnicas no microssistema são a inexistência de vedação expressa no texto do novo CPC que inviabilize a integração entre os instrumentos e a inexistência de ofensa a um elemento essencial do respectivo instituto.
7- Na hipótese, não há diferença ontológica e nem tampouco justificativa teórica para tratamento assimétrico entre a alegação de distinção formulada em virtude de afetação para julgamento sob o rito dos recursos repetitivos e em razão de instauração do incidente de resolução de demandas repetitivas, pois ambos os requerimentos são formulados após a ordem de suspensão emanada pelo Tribunal, tem por finalidade a retirada da ordem de suspensão de processo que verse sobre questão distinta daquela submetida ao julgamento padronizado e pretendem equalizar a tensão entre os princípios da isonomia e da segurança jurídica, de um lado, e dos princípios da celeridade, economia processual e razoável duração do processo, de outro lado.
8- Considerando que a decisão interlocutória que resolve o pedido de distinção em relação a matéria submetida ao rito dos recursos repetitivos é impugnável imediatamente por agravo de instrumento (art. 1.037, §13, I, do novo CPC), é igualmente cabível o referido recurso contra a decisão interlocutória que resolve o pedido de distinção em relação a matéria objeto de IRDR.
(...)
(STJ - REsp: 1846109 SP 2019/0216474-5, Relator: Ministra NANCY ANDRIGHI, Data de Julgamento: 10/12/2019, T3 - TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 13/12/2019)
Em seu voto, a relatora do referido julgado, ministra Nancy Andrighi, afirmou "a inexistência de vedação expressa no texto do novo CPC que inviabilize a integração entre os instrumentos e, ainda, a inexistência de ofensa a um elemento essencial do respectivo instituto, o que equivaleria a desnaturá-lo".
Corroborando o entendimento acerca da existência de um microssistema de solução de casos repetitivos, o enunciado 345 do Fórum Permanente de Processualistas Civis (FPPC) estabelece:
Enunciado 345. O incidente de resolução de demandas repetitivas e o julgamento dos recursos extraordinários e especiais repetitivos formam um microssistema de solução de casos repetitivos, cujas normas de regência se complementam reciprocamente e devem ser interpretadas conjuntamente.
Assim, seria possível que os processos julgados e que estejam aguardando a admissibilidade na Vice-Presidência em razão do trâmite ou admissão do IRDR sejam suspensos com base no art. 982, I, do CPC, com a utilização de mecanismos da sistemática dos recursos especiais repetitivos e extraordinários ao procedimento do IRDR nesses casos.
E da mesma forma, após a publicação do acórdão de mérito do IRDR, aplicar-se-ia, por analogia, as disposições dos arts. 1.036, caput e § 1.º; e 1.040, II, ambos do CPC:
Art. 1.036. Sempre que houver multiplicidade de recursos extraordinários ou especiais com fundamento em idêntica questão de direito, haverá afetação para julgamento de acordo com as disposições desta Subseção, observado o disposto no Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal e no do Superior Tribunal de Justiça.
§ 1º O presidente ou o vice-presidente de tribunal de justiça ou de tribunal regional federal selecionará 2 (dois) ou mais recursos representativos da controvérsia, que serão encaminhados ao Supremo Tribunal Federal ou ao Superior Tribunal de Justiça para fins de afetação, determinando a suspensão do trâmite de todos os processos pendentes, individuais ou coletivos, que tramitem no Estado ou na região, conforme o caso.
Art. 1.040. Publicado o acórdão paradigma:
(...)
II - o órgão que proferiu o acórdão recorrido, na origem, reexaminará o processo de competência originária, a remessa necessária ou o recurso anteriormente julgado, se o acórdão recorrido contrariar a orientação do tribunal superior;
Destarte, a partir do julgamento de mérito do IRDR resolvendo a questão, haveria aplicação do art. 1.040, II, do CPC, isto é, seria realizado o juízo de retratação pelo órgão de origem, evitando que fossem remetidos às cortes superiores processos em desconformidade com a tese fixada no IRDR.
Subsistindo recursos em discordância com a tese fixada no IRDR, seriam escolhidos representativo da controvérsia para encaminhamento ao tribunal superior competente para ser dada a última palavra acerca da matéria, sob o regime dos recursos repetitivos e da repercussão geral, de modo a garantir uniformidade e definitividade à tese vinculante, mesmo que possa levar à revisão ou cancelamento posterior do IRDR.
Reconhece-se por meio dessa solução que, em razão da recorribilidade da tese fixada no IRDR (art. 987, caput, do CPC), a matéria poderá de todo modo chegar ao STF ou STJ para ser dado o pronunciamento final acerca do tema. Entretanto, objetiva-se que a questão seja decidida em caráter vinculante pelo tribunal superior, com o propósito de que o entendimento firmado possa ser aplicado aos casos presentes e futuros (criação de precedente), o que não ocorreria com a admissibilidade e mera remessa dos recursos excepcionais interpostos no bojo de processos em trâmite.
Em sentido contrário, pela segunda solução proposta, tem-se que a própria ausência de disposição expressa normativa acerca da admissibilidade dos recursos excepcionais no caso de IRDR admitido não autoriza a suspensão dos feitos nessa situação.
Há interpretação de que o art. 982, I, do CPC, segundo o qual o relator suspenderá os processos pendentes, individuais ou coletivos, que tramitam no Estado ou na região, após a admissão do incidente, não abarcaria a situação em análise, pois os processos não estariam pendentes de julgamento.
No mesmo sentido, defende-se que aos processos já julgados no momento da fixação da tese no IRDR não é devido o exercício do juízo de retratação para aplicação do enunciado fixado no referido incidente, consoante o art. 985, I, do CPC. Assim, a tese fixada no IRDR se aplica apenas aos processos em tramitação no Tribunal, sendo incabível, pois, o juízo de retratação previsto no art. 1040, II, do CPC aos processos já julgados e em fase de admissibilidade recursal.
Outrossim, questiona-se a eficácia da adoção de normas da sistemática dos recursos especiais e extraordinários repetitivos ao IRDR, vez que a remessa dos recursos representativos da controvérsia após o julgamento do IRDR, na hipótese em que não tenham sido interpostos RE ou REsp à tese fixada, pode revelar-se frustrada, pois existe a possibilidade de que tais recursos não sejam afetados pelas cortes superiores, o que poderia ocasionar uma demora no julgamento definitivo da questão.
Desse modo, os recursos excepcionais deveriam continuar sendo remetidos aos tribunais superiores, visto que a suspensão pode contribuir para atrasar o desfecho dos processos, ocasionando dano às partes.
Realizadas tais considerações, faz-se necessária a escolha de opção adequada à resolução da matéria no âmbito do Tribunal de Justiça do Estado de Roraima, diante da falta de previsão expressa sobre o procedimento a ser seguido no seu Regimento Interno e no Código de Processo Civil.
Importa reconhecer a intenção do legislador de estabelecer no novo Código um verdadeiro microssistema destinado à pacificação de controvérsias jurídicas que se repetem em inúmeras ações ou recursos.
Diante disso, concluímos que o emprego de mecanismos aplicáveis aos recursos extraordinários e especiais repetitivos é extensível ao IRDR em seus casos omissos, tendo em vista a similaridade dos institutos que, segundo o próprio STJ, têm procedimentos intercambiáveis.
A suspensão dos feitos julgados que estejam na fase de juízo de admissibilidade do recurso extraordinário e/ou recurso especial em decorrência da admissão do incidente de resolução de demandas repetitivas é medida que propõe a racionalidade de julgamento nos tribunais locais e nas cortes superiores e revela-se em consonância com o sistema de precedentes judiciais obrigatórios.
É preferível que o STF ou STJ somente recebam recursos excepcionais de matérias em discussão em IRDR admitido/em trâmite após a definição da tese pelo tribunal, evitando possíveis divergências de entendimento oriundas de tribunal de segunda instância que já decidiu a matéria de forma vinculante, por meio do incidente.
Tal medida privilegia a uniformização das decisões, a segurança jurídica, a racionalidade no julgamento das demandas e o fortalecimento da utilização dos precedentes qualificados, consoante preceituam os arts. 926 e 927 do CPC.
Logo, é mais interessante que primeiro seja fixada uma tese jurídica pelo Tribunal para que, então, a questão seja submetida aos tribunais superiores, seja por meio da recorribilidade da tese fixada no IRDR, seja pela seleção de representativos da controvérsia que seriam posteriormente encaminhados para fins de afetação.
Ademais, a solução evitará decisões conflitantes e anti-isonômicas, tendo em vista a tramitação simultânea de um IRDR e um recurso excepcional, justamente o que se buscou evitar com a criação do sistema de precedentes.
Portanto, após análise de todos os argumentos, nota-se que o procedimento mais adequado a ser adotado pelo órgão competente desta Corte ao receber os recursos extraordinários ou especiais de processos vinculados à matéria disciplinada no IRDR admitido, ou julgado, é o que segue:
Determinar a suspensão até o julgamento do tema, aplicando-se o art. 982, I, do CPC.
Após a publicação do acórdão do incidente, realizar o juízo de retratação pelo órgão julgador do acórdão recorrido, nos termos do art. 1040, II, do CPC, se a decisão recorrida no processo suspenso contrariar a tese do IRDR.
Caso o acórdão coincidir com a orientação estabelecida no incidente, e desde que preenchidos os demais requisitos legais, admita dois ou mais recursos representativos da controvérsia para remessa ao Supremo Tribunal Federal e Superior Tribunal de Justiça, nos termos do caput e § 1º do art. 1.036 do CPC.
III - Conclusão
Diante do exposto, o Centro de Inteligência do Estado de Roraima (CIJERR), com o fito de consolidar e uniformizar o entendimento em seu âmbito de atuação, propõe:
Orientar que seja realizada a suspensão, pela Vice-Presidência, de feitos que estejam na fase de juízo de admissibilidade do recurso extraordinário e/ou recurso especial em decorrência da admissão do incidente de resolução de demandas repetitivas, com aplicação do seguinte rito:
Determinar a suspensão até o julgamento do tema, aplicando-se o art. 982, I, do CPC.
Após a publicação do acórdão do incidente, realizar o juízo de retratação pelo órgão julgador do acórdão recorrido, nos termos do art. 1.040, II, do CPC, se a decisão proferida no processo suspenso contrariar a tese do IRDR.
Caso o acórdão coincidir com a orientação estabelecida no IRDR, e desde que preenchidos os demais requisitos legais, admitir dois ou mais recursos representativos da controvérsia para remessa ao Supremo Tribunal Federal e Superior Tribunal de Justiça, nos termos do caput e § 1º do art. 1.036 do CPC.
O encaminhamento da presente Nota aos magistrados e servidores de segunda instância desta Corte, à Presidência, à Corregedoria para conhecimento do seu teor, e, ainda, à Vice-Presidência, órgão responsável pela realização do juízo de admissibilidade no âmbito desta Corte.
Boa Vista-RR, 19 de agosto de 2022.
Centro de Inteligência da Justiça Estadual de Roraima - CIJERR
Des. Jésus Nascimento
Presidente da Comissão Gestora de Precedentes e Ações Coletivas/TJRR
Presidente do CIJERR
Des. Ricardo Oliveira
Desembargador Integrante da Comissão Gestora de Precedentes
Membro
Dra. Bruna Zagallo
Juíza representante das unidades judiciárias cíveis da comarca de Boa Vista
Membro
Dr. Jaime de Ávila
Juiz representante das unidades judiciárias criminais da comarca de Boa Vista
Membro
Dra. Patricia dos Reis
Juíza representante da comarca de Mucajaí
Membro
Dra. Noêmia de Sousa
Juíza representante da Comarca de Caracaraí
Membro
Dr. Raimundo Filho
Juiz representante da Comarca de Rorainópolis - 2ª Titularidade
Membro
Liliane Cardoso
Juiza da 1ª Titularidade da Comarca de Rorainópolis
Convidada
Certifico que a Nota Técnica n.º 3/2022, foi analisada e aprovada na Reunião do Centro de Inteligência da Justiça Estadual de Roraima - CIJERR, realizada aos dezenove dias do mês de agosto do ano de dois mil e vinte e dois, conforme consta na Ata acostada no evento n.º 1404769 do Sei n.º 0015181-18.2022.8.23.8000.
Fernanda Cantanhede
Membro/Coordenadora NUGEPNAC
| Documento assinado eletronicamente por FERNANDA LARISSA SOARES BRAGA CANTANHEDE, Coordenador, em 22/08/2022, às 15:06, conforme art. 1º, III, "b", da Lei 11.419/2006.Portaria da Presidência - TJRR nº1650/2016. |
| A autenticidade do documento pode ser conferida no site https://sei.tjrr.jus.br/autenticidade informando o código verificador 1404803 e o código CRC 27CE52C4. |