Análise
NOTA TÉCNICA nº 01/2021 - CIJERR
ASSUNTO: Momento da aplicação da tese firmada no IRDR aos processos vinculados ao incidente.
EMENTA
INCIDENTE DE RESOLUÇÃO DE DEMANDAS REPETITIVAS (IRDR) – MOMENTO DE APLICAÇÃO DA TESE FIRMADA – NECESSIDADE DE AGUARDAR O JULGAMENTO DE EVENTUAL RECURSO ESPECIAL OU EXTRAORDINÁRIO INTERPOSTO – ART. 982, § 5º, DO CPC.
1. A aparente incompatibilidade dos dispositivos que regem a matéria (art. 985, inciso I, e art. 982, § 5º, ambos do CPC) demanda interpretação para fixação do momento oportuno para aplicação da tese firmada no IRDR aos processos a ele vinculados.
2. Há proposição de duas possíveis soluções para a questão. De um lado, há posicionamento no sentido de que o levantamento do sobrestamento de processos para julgamento e aplicação da tese deveria ser realizada por ocasião da publicação do acórdão de julgamento, nos moldes do art. 1.040, inciso III, do CPC, relativo aos recursos extraordinário e especial repetitivos; de outro, defende-se a manutenção do sobrestamento dos processos até o julgamento dos recursos aos tribunais superiores, conforme art. 987, §1º, do CPC, tendo em vista que a nova decisão uniformizará a questão em todo território nacional.
3. Os recursos cabíveis no caso do IRDR possuem efeito suspensivo ope legis (art. 987, §1º, do CPC), motivo pelo qual o atual posicionamento emitido pela Segunda Turma do STJ e o entendimento firmado doutrinariamente são no sentido de se aguardar o julgamento de eventual recurso especial ou extraordinário, sem necessidade do trânsito em julgados desses.
4. A solução que melhor se adequa a esta Corte é a aplicação da tese firmada no IRDR aos processos a ele vinculados somente após o julgamento dos recursos nos tribunais superiores, em privilégio a uma interpretação sistemática das disposições que envolvem a matéria, levando em consideração razões de política judiciária, a garantia da segurança jurídica e a própria efetividade da prestação jurisdicional.
5. Assim, propõe-se fixar como marco temporal para aplicação da tese firmada no IRDR aos processos a ele vinculados o julgamento do recurso especial ou extraordinário, se houver, não sendo necessário, entretanto, aguardar o trânsito em julgado dos referidos recursos, nos termos dos arts. 982, § 5º, e 987, caput, ambos do CPC.
I - Introdução
O Centro de Inteligência do Tribunal de Justiça do Estado de Roraima, criado pela Portaria n. 548/2020 de 16 de dezembro de 2020, vem apresentar nota técnica com sugestão de procedimento a ser adotado por ocasião do julgamento do incidente de resolução de demandas repetitivas - IRDR, especialmente quanto ao momento para aplicação da tese firmada aos processos vinculados ao incidente.
O IRDR é instrumento processual que visa incitar o pronunciamento uniforme do tribunal sobre casos contendo controvérsia jurídica de direito material ou processual com repetitividade, com previsão nos arts. 976 e seguintes do CPC.
Tem por finalidade promover a segurança jurídica, economia processual, garantia à razoável duração do processo, eficiência da atividade jurisdicional, pacificação social e o tratamento isonômico às demandas intentadas no Judiciário.
O instituto figura ao lado dos recursos extraordinários e especiais repetitivos, compondo o chamado microssistema de julgamento de casos repetitivos e visa potencializar a estabilidade, integridade e coerência das decisões judiciais.
Por tratar-se de inovação do atual diploma processual civil, pairam muitas discussões jurisprudenciais e doutrinárias sobre o processamento e julgamento IRDR, dentre elas a relativa ao momento da aplicação da tese firmada aos processos a ele vinculados, nos quais há determinação de sobrestamento pelo relator, nos moldes do art. 982, inciso I, do CPC.
Considerando que o IRDR objetiva conferir solução uniforme a causas repetitivas, com efeito vinculante para todos os casos presentes e futuros sobre a mesma matéria dentro da abrangência territorial de um determinado tribunal, torna-se necessário o alinhamento dos procedimentos a serem adotados.
Desse modo, em razão da relevância da questão, sugere-se a análise e definição, pelo Centro de Inteligência da Justiça Estadual - CIJERR, do momento adequado para aplicação da tese firmada no incidente de resolução de demandas repetitivas para uniformização do entendimento e orientação a todas as unidades judiciais.
II - Análise
O cerne da questão encontra-se no aparente conflito de normas existente nas disposições que autorizam a aplicação da tese firmada no julgamento do IRDR.
No que toca ao tema, o Código de Processo Civil assim dispõe:
Art. 985. Julgado o incidente, a tese jurídica será aplicada:
I - a todos os processos individuais ou coletivos que versem sobre idêntica questão de direito e que tramitem na área de jurisdição do respectivo tribunal, inclusive àqueles que tramitem nos juizados especiais do respectivo Estado ou região;
II - aos casos futuros que versem idêntica questão de direito e que venham a tramitar no território de competência do tribunal, salvo revisão na forma do art. 986 .
§ 1º Não observada a tese adotada no incidente, caberá reclamação.
§ 2º Se o incidente tiver por objeto questão relativa a prestação de serviço concedido, permitido ou autorizado, o resultado do julgamento será comunicado ao órgão, ao ente ou à agência reguladora competente para fiscalização da efetiva aplicação, por parte dos entes sujeitos a regulação, da tese adotada. (grifou-se)
Art. 982. Admitido o incidente, o relator:
I - suspenderá os processos pendentes, individuais ou coletivos, que tramitam no Estado ou na região, conforme o caso;
II - poderá requisitar informações a órgãos em cujo juízo tramita processo no qual se discute o objeto do incidente, que as prestarão no prazo de 15 (quinze) dias;
III - intimará o Ministério Público para, querendo, manifestar-se no prazo de 15 (quinze) dias.
§ 1º A suspensão será comunicada aos órgãos jurisdicionais competentes.
§ 2º Durante a suspensão, o pedido de tutela de urgência deverá ser dirigido ao juízo onde tramita o processo suspenso.
§ 3º Visando à garantia da segurança jurídica, qualquer legitimado mencionado no art. 977, incisos II e III , poderá requerer, ao tribunal competente para conhecer do recurso extraordinário ou especial, a suspensão de todos os processos individuais ou coletivos em curso no território nacional que versem sobre a questão objeto do incidente já instaurado.
§ 4º Independentemente dos limites da competência territorial, a parte no processo em curso no qual se discuta a mesma questão objeto do incidente é legitimada para requerer a providência prevista no § 3º deste artigo.
§ 5º Cessa a suspensão a que se refere o inciso I do caput deste artigo se não for interposto recurso especial ou recurso extraordinário contra a decisão proferida no incidente. (grifou-se)
Art. 987. Do julgamento do mérito do incidente caberá recurso extraordinário ou especial, conforme o caso.
§ 1º O recurso tem efeito suspensivo, presumindo-se a repercussão geral de questão constitucional eventualmente discutida.
§ 2º Apreciado o mérito do recurso, a tese jurídica adotada pelo Supremo Tribunal Federal ou pelo Superior Tribunal de Justiça será aplicada no território nacional a todos os processos individuais ou coletivos que versem sobre idêntica questão de direito. (grifou-se)
Em suma, depreende-se que:
Com efeito, verifica-se que há uma aparente contradição entre a orientação insculpida no art. 985, inciso I, do CPC, que autoriza a aplicação imediata da tese jurídica a todos os processos individuais ou coletivos relacionados após o julgamento, e a do art. 982, § 5º, do CPC, o qual preceitua que a suspensão dos processos cessa apenas se não for interposto recurso especial ou recurso extraordinário contra a decisão proferida no incidente.
Como se vê, ao contrário do que ocorre no caso dos recursos repetitivos e de repercussão geral, o IRDR ainda pode ser combatido por meio dos recursos aos tribunais superiores, isto é, recursos especiais e/ou extraordinários, os quais são dotados de efeito suspensivo automático.
Desse modo, criou-se uma preocupação em torno de aplicar a tese e admitir o prosseguimento dos processos suspensos antes do julgamento dos recursos contra o acórdão do IRDR, uma vez que isso poderia acarretar de forma imediata a interposição de uma multiplicidade de recursos pelas partes.
Observa-se, na praxe dos tribunais, que a possibilidade de interposição de recurso especial e extraordinário e a eventual reforma do julgado ocasiona grande impacto em todos os processos no qual foi aplicada a tese do incidente, podendo culminar em desnecessário dispêndio da força de trabalho diante da realização de atos processuais que serão posteriormente reformulados.
O Tribunal de Justiça do Estado de Roraima possui apenas um incidente desta natureza admitido até o momento, o IRDR n.º 0002448-37.2017.8.23.0000, cuja tese fixada foi a de que “em ação coletiva, o pedido imediato deve ser certo, admitindo-se, excepcionalmente, a formulação de pedido mediato genérico (CPC, art. 324)”.
Ante a publicação do acórdão de julgamento, o NUGEPNAC inicialmente orientou a aplicação da tese aos processos sobrestados em virtude do julgamento do incidente; todavia, questionado acerca das questões envolvidas, incluiu o assunto na pauta da reunião da Comissão Gestora de Precedentes realizada em 11.06.2021 para análise (SEI 0012810-86.2019.8.23.8000), onde se deliberou pela realização de estudos da matéria pelo CIJERR.
Cumpre mencionar, que a solução proposta por alguns tribunais à situação passa pela análise e aplicação análoga do art. 1.040, inciso III, do CPC, relativo aos recursos extraordinários e repetitivos, segundo o qual, publicado o acórdão paradigma, os processos suspensos em primeiro e segundo graus de jurisdição retomarão o curso para julgamento e aplicação da tese firmada pelo tribunal superior.
Nesse sentido, o STJ assim já se manifestou no Recurso Especial nº 1.719.684 - DF (2018/0015755-8):
(...)
Como se vê, nenhuma ressalva ou condicionante de aplicação da tese jurídica firmada há em relação à ocorrência do trânsito em julgado da decisão. Afinal, cuidando-se, até mesmo, de um incidente cujo pronunciamento é de expressiva repercussão jurídico-social, bem como, inclusive, em prestígio aos princípios da duração razoável do processo e da eficiência, infere-se de toda essa ratio que o paradigma indispensável à já aplicação da tese é o pronunciamento de seu julgamento, e não necessariamente a ocorrência do trânsito em julgado.
Além disso, se verifica que, em caso de não observância da tese adotada no incidente, também o cabimento de Reclamação no Tribunal não tem como requisito a ocorrência de trânsito em julgado da decisão. A saber:
(...)
Outrossim, não é, à frente, a possibilidade de eventual interposição de recursos às Instâncias Extraordinárias ou mesmo a sua mera interposição como ocorreu no caso, com a já interposição de Recurso Especial, conforme consulta no sítio eletrônico do Tribunal , que têm o condão de obstar a aplicação imediata dos efeitos do julgado. A menos que, claro, haja a expressa manifestação quanto à extensão desse efeito, para atingir outros casos; ou seja, aqueles além do caso em que suscitado e do próprio incidente e sua tese firmada.
No caso dos autos, como dito, após a rejeição dos Embargos de Declaração, em que pese a interposição de Recurso Especial, verifica-se que sequer ainda foi realizado o juízo de admissibilidade pelo Excelentíssimo Desembargador Presidente deste Tribunal, não existindo, por óbvio, ordem que acarrete nova suspensão de processos que, como este, estejam vinculado à tese firmada no IRDR.
De bom alvitre salientar que, não sendo nova a questão no âmbito deste Tribunal, a fim de assentar o entendimento pela aplicação imediata da tese firmada no IRDR, verifica-se que a C. 2ª Câmara Cível entendeu por bem invocar em caso semelhante o regramento relativo aos Recursos Extraordinário e Especial Repetitivos, aplicando em analogia o art. 1.040, III, do CPC, que dispõe:
Publicado o acórdão paradigma:, os processos suspensos em primeiro e segundo graus de jurisdição retomarão o curso para julgamento e aplicação da tese firmada pelo tribunal superior; (fls. 75/76e).
Do exposto, constata-se que a recorrente não informou, de forma específica, o fundamento suficiente destacado, utilizado pelo Tribunal de origem, no sentido de que se encontra prescrito o direito pleiteado. Destarte, incide, na espécie, a Súmula 283/STF ("É inadmissível o recurso extraordinário, quando a decisão recorrida assenta em mais de um fundamento suficiente e o recurso não abrange todos eles"), por analogia.
Ante o exposto, com fundamento no art. 255, § 4º, I, do RISTJ, não conheço do Recurso Especial. I. Brasília (DF), 1º de junho de 2018. MINISTRA ASSUSETE MAGALHÃES Relatora. (grifou-se)
O principal argumento a favor do emprego da tese a partir da publicação do acórdão de julgamento tem por lastro que o incidente tem como pressuposto relevante questão social, de modo que a sua aplicação após o julgamento prestigia os princípios da duração razoável do processo e da eficiência, não sendo necessário aguardar o trânsito em julgado.
Contudo, tal posicionamento é passivo de questionamentos, uma vez que há considerável distinção quanto ao tratamento legal do IRDR e dos recursos repetitivos e de repercussão geral. Enquanto no primeiro caso é possível a interposição de recurso especial ou extraordinário; no segundo há possibilidade apenas de embargos de declaração, quando cabíveis, e de recurso extraordinário, todavia, sem efeito suspensivo.
Além disso, é preciso mencionar que os recursos cabíveis no caso do IRDR terão efeito suspensivo ope legis1, reforçando a ideia de que a tese somente deve ser aplicada quando o tribunal superior confirmá-la ou alterá-la, conforme a situação, extraindo-se como consequência a permanência do sobrestamento dos processos vinculados.
Em recente decisão proferida pela Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), superveniente à decisão anteriormente colacionada, reconheceu-se como medida adequada a manutenção do sobrestamento dos processos relacionados, tendo em vista a possibilidade de reforma da tese diante da interposição de recurso especial ou extraordinário. Nesse sentido, restou firmado:
"PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. INCIDENTE DE RESOLUÇÃO DE DEMANDAS REPETITIVAS. RECURSOS EXTRAORDINÁRIO E ESPECIAL. EFEITO SUSPENSIVO AUTOMÁTICO. NECESSIDADE DE AGUARDAR O JULGAMENTO DOS TRIBUNAIS SUPERIORES. ARTS. 982, § 5º, E 987, §§ 1º E 2º, DO CPC. RECURSO PROVIDO.
1. Cinge-se a controvérsia a definir se a suspensão dos feitos cessa tão logo julgado o Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas pelo TJ/TRF, com a aplicação imediata da tese, ou se é necessário aguardar o julgamento dos recursos excepcionais eventualmente interpostos.
2. No caso dos recursos repetitivos, os arts. 1.039 e 1.040 do CPC condicionam o prosseguimento dos processos pendentes apenas à publicação do acórdão paradigma. Além disso, os acórdãos proferidos sob a sistemática dos recursos repetitivos não são impugnáveis por recursos dotados de efeito suspensivo automático.
3. Por sua vez, a sistemática legal do IRDR é diversa, pois o Código de Ritos estabelece, no art. 982, § 5º, que a suspensão dos processos pendentes, no âmbito do IRDR, apenas cessa caso não seja interposto recurso especial ou recurso extraordinário contra a decisão proferida no incidente.
4. Além disso, há previsão expressa, nos §§1º e 2º do art. 987 do CPC, de que os recursos extraordinário e especial contra acórdão que julga o incidente em questão têm efeito suspensivo automático (ope legis), bem como de que a tese jurídica adotada pelo STJ ou pelo STF será aplicada, no território nacional, a todos os processos individuais ou coletivos que versem sobre idêntica questão de direito.
5. Apesar de tanto o IRDR quanto os recursos repetitivos comporem o microssistema de julgamento de casos repetitivos (art. 928 do CPC), a distinção de tratamento legal entre os dois institutos justifica-se pela recorribilidade diferenciada de ambos. De fato, enquanto, de um lado, o IRDR ainda pode ser combatido por REsp e RE, os quais, quando julgados, uniformizam a questão em todo o território nacional, os recursos repetitivos firmados nas instâncias superiores apenas podem ser objeto de embargos de declaração, quando cabíveis e de recurso extraordinário, contudo, este sem efeito suspensivo automático.
6. Admitir o prosseguimento dos processos pendentes antes do julgamento dos recursos extraordinários interpostos contra o acórdão do IRDR poderia ensejar uma multiplicidade de atos processuais desnecessários, sobretudo recursos. Isso porque, caso se admita a continuação dos processos até então suspensos, os sujeitos inconformados com o posicionamento firmado no julgamento do IRDR terão que interpor recursos a fim de evitar a formação de coisa julgada antes do posicionamento definitivo dos tribunais superiores.
7. Ademais, com a manutenção da suspensão dos processos pendentes até o julgamento dos recursos pelos tribunais superiores, assegura-se a homogeneização das decisões judiciais sobre casos semelhantes, garantindo-se a segurança jurídica e a isonomia de tratamento dos jurisdicionados. Impede-se, assim, a existência - e eventual trânsito em julgado - de julgamentos conflitantes, com evidente quebra de isonomia, em caso de provimento do REsp ou RE interposto contra o julgamento do IRDR.
8. Em suma, interposto REsp ou RE contra o acórdão que julgou o IRDR, a suspensão dos processos só cessará com o julgamento dos referidos recursos, não sendo necessário, entretanto, aguardar o trânsito em julgado. O raciocínio, no ponto, é idêntico ao aplicado pela jurisprudência do STF e do STJ ao RE com repercussão geral e aos recursos repetitivos, pois o julgamento do REsp ou RE contra acórdão de IRDR é impugnável apenas por embargos de declaração, os quais, como visto, não impedem a imediata aplicação da tese firmada.
9. Recurso especial provido para determinar a devolução dos autos ao Tribunal de origem a fim de que se aguarde o julgamento dos recursos extraordinários interpostos (não o trânsito em julgado, mas apenas o julgamento do REsp e/ou RE) contra o acórdão proferido no IRDR n. 0329745-15.2015.8.24.0023."
(STJ, RESP n. 1869867/SC, Segunda Turma, Rel. Min. Og Fernandes, v.u., j. 20.04.2021). (grifou-se)
O atual posicionamento emitido pela Segunda Turma da Corte Superior privilegia uma interpretação sistemática, com observância da norma como um todo, porquanto, conjuga as disposições dos arts. 985, inciso I, e 987, § 1º e § 2º do CPC. Além disso, leva em consideração a própria efetividade da prestação jurisdicional e razões de política judiciária, ao apontar acertadamente a necessidade de se aguardar o pronunciamento dos tribunais superiores.
Em que pese a decisão proferida no julgamento do IRDR seja aplicável apenas no território do estado, vale mencionar que o eventual recurso especial ou extraordinário irá transferir o mérito a um tribunal superior e que, julgado por esta instância, a nova decisão será aplicada em todo o território nacional a todos os processos individuais ou coletivos que versem sobre idêntica questão de direito, nos termos do art. 987, § 2º, do CPC.
Por sua vez, cumpre esclarecer que o julgado orienta que “interposto REsp ou RE contra o acórdão que julgou o IRDR, a suspensão dos processos só cessará com o julgamento dos referidos recursos, não sendo necessário, entretanto, aguardar o trânsito em julgado", o que significa que o julgamento dos recursos remetidos às Cortes Superiores, por si só, já autoriza o levantamento do sobrestamento dos processos vinculados.
Na mesma linha, destaca-se o posicionamento do Tribunal de Justiça de Minas Gerais e São Paulo:
EMENTA: AGRAVO DE INSTRUMENTO - MANDADO DE SEGURANÇA - MUNICÍPIO DE GUAXUPÉ - APLICAÇÃO IMEDIATA DE TESE FIXADA EM INCIDENTE DE RESOLUÇÃO DE DEMANDAS REPETITIVAS (IRDR) - IMPOSSIBILIDADE - AUSÊNCIA DE TRÂNSITO EM JULGADO - INTERPOSIÇÃO DE RECURSOS AOS TRIBUNAIS SUPERIORES - EFEITO SUSPENSIVO OPE LEGIS - ART. 987, § 1º DO CPC. 1. A tutela de urgência será concedida quando houver elementos que evidenciem a probabilidade do direito e o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo (CPC, art. 300). 2. Incabível a aplicação imediata de tese fixada em sede de Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas (IRDR), que ainda não transitou em julgado e contra a qual se interpôs recurso especial e extraordinário, ainda não julgados. Efeito suspensivo Nlegis, nos termos do art. 987, § 1º do CPC. 3. Não há como se determinar o imediato desligamento servidores públicos aposentados voluntariamente pelo RGPS, dos cargos que continuam a ocupar no Município de Guaxupé, após a decisão proferida pela 1ª Seção Cível deste eg. Tribunal de Justiça nos autos do IRDR n. 1.0002.14.000220-1/003, tendo em vista que, contra tal decisum, foram interpostos recursos aos Tribunais Superiores, ainda pendentes de julgamento. 4. Recurso provido. (TJ-MG - AI: 10000190096768001 MG, Relator: José Eustáquio Lucas Pereira (JD Convocado), Data de Julgamento: 16/05/2019, Data de Publicação: 20/05/2019). (grifou-se)
Apelação – Servidora Pública inativa – Gratificação de Gestão Educacional (GGE) – LC 1.256/2015 – Instauração do Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas – IRDR (processo nº. 0034345-02.2017.8.26.0000) no TJSP, nos termos do artigo 976 e seguintes do CPC (vigente), para decidir definitivamente sobre a Gratificação de Gestão Educacional (GGE) - O referido IRDR foi julgado em 13/04/2018, fixando a seguinte tese jurídica: "A Gratificação de Gestão Educacional (GGE), instituída pela Lei Complementar Estadual n. 1.256/2015, por sua natureza remuneratória, geral e impessoal, para todos integrantes das classes de suporte pedagógico do Quadro do Magistério da Secretaria Estadual da Educação, deve ser estendida aos servidores inativos, que tiverem direito à paridade" – Eventual interposição de recurso especial e/ou recurso extraordinário contra a decisão proferida no IRDR, será(ão) recebido (s) com efeito suspensivo da aplicação da tese, que somente será definida após o julgamento dos recursos direcionados aos tribunais superiores, conforme disposto no art. 987, §§ 1º e 2º, do NCPC - A SPPREV interpôs agravo contra despacho denegatório de recurso extraordinário e, portanto, o Tema 10 ainda não transitou em julgado – Necessidade de suspensão do processo até o julgamento dos recursos direcionados aos tribunais superiores contra a decisão proferida no Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas (IRDR) nº 0034345-02.2017.8.26.0000 (Tema 10) – Suspensão do julgamento do recurso. (TJ-SP - AC: 10006466020178260660 SP 1000646-60.2017.8.26.0660, Relator: Marcelo L Theodósio, Data de Julgamento: 31/01/2020, 11ª Câmara de Direito Público, Data de Publicação: 31/01/2020). (grifou-se)
Outrossim, no âmbito da 3ª Seção do Tribunal Regional Federal da 4ª Região – TRF4, predomina o entendimento no sentido de que os processos vinculados ao IRDR devem manter-se sobrestados:
RECLAMAÇÃO. IRDR. SUSPENSÃO DE PROCESSO PARALELO. 1. Conforme o disposto no artigo 987 do CPC, somente quando interposto recurso extraordinário (ou especial) – no caso do IRDR – é que se poderá falar em novo efeito suspensivo. 2. Consultando os autos do IRDR Tema 15 (5054341-77.2016.4.04.0000/SC), constata-se que o INSS interpôs RExt e REsp no final de 2018. Desse modo, considerando que, nos termos do artigo 987, § 1º, do Código de Processo Civil, os apelos extremos interpostos no âmbito dos incidentes de resolução de demandas repetitivas têm efeito suspensivo automático, entende-se que, independentemente da análise do prazo de suspensão, no atual momento processual (princípios da eficácia processual e da máxima celeridade), deve ser mantido o sobrestamento do feito até o eventual juízo de inadmissibilidade dos recursos especial e extraordinário, ou até o julgamento definitivo pelas cortes superiores, caso admitidos. (TRF4, Terceira Seção, Reclamação nº 5003183-75.2019.4.04.0000, relator Des. Federal Jorge Antonio Maurique, decisão monocrática em 22.05.2019).
É importante mencionar que alguns tribunais pátrios, a exemplo do Tribunal de Justiça do Estado do Pará, buscaram regulamentar o procedimento a ser adotado nesses casos. Em Cartilha para Instauração do Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas2, aquela Corte Estadual, à vista da possibilidade de interposição de recurso extraordinário e/ou recurso especial em face do julgamento de mérito do IRDR, afirmou que “resta evidente, por cautela, a permanência do sobrestamento dos processos, sem definição de prazo, até o período de interposição ou não de recurso extraordinário e/ou recurso especial, pois se houver interposição o sobrestamento persiste, caso não houver, o sobrestamento cessa”.
Na seara doutrinária, verifica-se a tendência da manutenção da suspensão de processos relacionados ao incidente por ocasião do julgamento dos recursos especiais e/ou extraordinário, conforme lição de Fredie Didier Jr. e Leonardo Carneiro da Cunha3 a seguir colacionada:
Se tiver sido determinada a suspensão nacional pelo STF ou pelo STJ, sua duração encerra-se com o escoamento do prazo para interposição do recurso extraordinário ou do recurso especial. Se for interposto recurso especial ou extraordinário do acórdão que julgar o IRDR, a suspensão se mantém, pois tais recursos têm, nesse caso, efeito suspensivo automático (art. 987, § 10, CPC). Não interposto recurso especial ou extraordinário, cessa a suspensão dos processos, aplicando-se a tese fixada no IRDR (art. 982, § 5°, CPC). (grifou-se)
Em sentido semelhante, se posiciona Daniel Amorim Assumpção Neves4:
Caso não tenha havido a suspensão dos processos em todo o território nacional prevista no art. 982, §3.º, do CPC, o efeito suspensivo do recurso interposto garante automaticamente a ampliação do sobrestamento dos processos para todo o território nacional, já que o precedente a ser formado pelo tribunal superior terá eficácia nacional. Cabe, entretanto, ao relator materializar essa ampliação por meio de pronunciamento determinando a informação aos tribunais de segundo grau a respeito do tema. (grifou-se)
Destaca-se, ainda, a doutrina de Fernando Gajardoni, Luiz Dellore, André Vasconcelos Roque e Zulmar Duarte de Oliveira Jr.5:
Uma vez julgado o IRDR, deve-se aguardar o prazo de interposição de eventual recurso para os tribunais superiores. Se este não for interposto, ocorre o trânsito em julgado da decisão do incidente (com abrangência limitada ao estado ou à região do tribunal de segundo grau), cai a suspensão nacionalmente e volta a haver a possibilidade de admissão de outro IRDR nos estados ou regiões não atingidos pela decisão do incidente que transitou em julgado. Se interposto recurso contra o julgamento do IRDR para os tribunais superiores, permanece a suspensão em nível nacional (não houve o trânsito em julgado), a qual poderá durar por mais um ano, dessa vez contado da data de interposição do recurso. (grifou-se)
Ademais, os autores defendem que não se aplica o mesmo entendimento dos recursos repetitivos e de repercussão geral (aplicação imediata da tese após a publicação do acórdão de julgamento) ao IRDR, sob pena de se atentar contra a segurança jurídica:
Outra regra específica para os recursos extraordinário e especial, quando interpostos contra o acórdão que julga o IRDR, é a previsão de que terão efeito suspensivo automático. Trata-se de mais uma previsão salutar, pois não seria adequada a aplicação imediata da tese jurídica estabelecida pelo tribunal de segundo grau na pendência dos recursos para os tribunais superiores, os quais poderiam ser providos para definir tese distinta, criando situação grave de insegurança jurídica. Não se aplica ao IRDR, portanto, a orientação que vigora para os recursos repetitivos segundo a qual não se exige o trânsito em julgado do acórdão paradigma para a aplicação da tese jurídica aos processos sobrestados (STJ, AgRg nos EDcl no AREsp 706.557, Rel. Min. Benedito Gonçalves, j. 06.10.2015). (grifou-se)
Portanto, verifica-se que o entendimento firmado pela Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) é a solução mais adequada à resolução da matéria, razão pela qual o Centro de Inteligência do Estado de Roraima (CIJERR), a fim de consolidar e uniformizar o entendimento em seu âmbito de atuação, emite a presente Nota Técnica, com as orientações a seguir descritas.
III - Conclusão
Desse modo, considerando o acima exposto, conclui-se que:
A aparente incompatibilidade dos dispositivos que regem a matéria (art. 985, inciso I, e art. 982, § 5º, ambos do CPC) demanda interpretação para fixação do momento oportuno para aplicação da tese firmada no IRDR aos processos a ele vinculados.
Há proposição de duas possíveis soluções para a questão. De um lado, há posicionamento no sentido de que o levantamento do sobrestamento de processos para julgamento e aplicação da tese deveria ser realizada por ocasião da publicação do acórdão de julgamento, nos moldes do art. 1.040, inciso III, do CPC, relativo aos recursos extraordinário e especial repetitivos; de outro, defende-se a manutenção do sobrestamento dos processos até o julgamento dos recursos aos tribunais superiores, conforme art. 987, §1º, do CPC, tendo em vista que a nova decisão uniformizará a questão em todo território nacional.
Os recursos cabíveis no caso do IRDR possuem efeito suspensivo ope legis (art. 987, §1º, do CPC), motivo pelo qual o atual posicionamento emitido pela Segunda Turma do STJ e o entendimento firmado doutrinariamente são no sentido de se aguardar o julgamento de eventual recurso especial ou extraordinário, sem necessidade do trânsito em julgados desses.
A solução que melhor se adequa a esta Corte é a aplicação da tese firmada no IRDR aos processos a ele vinculados somente após o julgamento dos recursos nos tribunais superiores, em privilégio a uma interpretação sistemática das disposições que envolvem a matéria, levando em consideração razões de política judiciária, a garantia da segurança jurídica e a própria efetividade da prestação jurisdicional.
Assim, propõe-se:
a) fixar como marco temporal para aplicação da tese firmada no IRDR aos processos a ele vinculados o julgamento do recurso especial ou extraordinário, se houver, não sendo necessário, entretanto, aguardar o trânsito em julgado dos referidos recursos, nos termos dos arts. 982, § 5º, e 987, caput, ambos do CPC;
b) o encaminhamento da presente Nota aos magistrados e servidores de primeira e segunda instância desta Corte, assim como à Presidência, Vice-Presidência e Corregedoria-Geral de Justiça, para que tomem conhecimento do seu teor e do entendimento firmado.
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1. Segundo Daniel Neves, o efeito suspensivo ope legis é aquele “no qual a própria lei se encarrega da previsão de tal efeito como regra”. Neves, Daniel Amorim Assumpção. Manual de direito processual civil - Volume único, 11 ed. - Salvador: Ed. JusPodivm, 2019, p. 1566.
2. Cartilha para Instauração do Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas do Tribunal de Justiça do Estado do Pará. Disponível em: <http://www.tjpa.jus.br//CMSPortal/VisualizarArquivo?idArquivo=981117>
3. Didier Jr, Fredie. Cunha, e Leonardo Carneiro da. Curso de Direito Processual Civil: meios de impugnação às decisões judiciais e processos nos tribunais. Vol. 3. 13. ed. Salvador: Juspodivm, 2016, p. 639.
4. Neves, Daniel Amorim Assumpção. Manual de Direito Processual Civil. 13. ed. Salvador: Juspodivm, 2021, p. 1.258.
5. Gajardoni, Fernando; Dellore, Luiz; Roque, André Vasconcelos; Oliveira Jr., Zulmar Duarte de. Execução e recursos: comentários ao CPC de 2015. Vol. 3. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2018, p. 840.
Boa Vista-RR, 08 de julho de 2021.
Centro de Inteligência da Justiça Estadual de Roraima - CIJERR
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